sexta-feira, 26 de setembro de 2014

A luta pela moradia, o direito à propriedade, a política de habitação e a Justiça

A decisão abaixo merecer ser enquadrada. Nosso Judiciário carece de mais juízes com este tipo de sensibilidade social.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014


Moradia e conciliação

DECISÃO

Processo Digital nº:
1044530-78.2014.8.26.0100
Classe - Assunto
Reintegração / Manutenção de Posse - Esbulho / Turbação / Ameaça
Requerente:
Maria Maurano Castells e outros
Requerido:
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto - Mtst

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Roberto Luiz Corcioli Filho

Vistos.
Trata-se de demanda possessória em face do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), tendo sido deferida a liminar, sem a oitiva da parte contrária, a fim de possibilitar a desocupação do imóvel localizado na rua Maria Paula, 181, Bela Vista, nesta Comarca, conforme fls. 141/142.
Concedido o prazo de quinze dias para a desocupação, os membros do movimento réu permanecem no local, conforme certidão retro do oficial de justiça (fls. 185), de modo que se requer a concessão de ordem de arrombamento e a expedição de ofício à Polícia Militar a fim de concorrerem com efetivo necessário a dar cumprimento forçado à liminar.
Pois bem.
Com o máximo respeito ao entendimento esposado pelo colega que me antecedeu na condução do feito, levando-se em conta a situação instaurada, havendo iminente risco de grave dano caso se efetive o despejo forçado, com a concorrência de força policial, de inúmeras famílias (inclusive idosos, crianças e pessoas com problemas de saúde), sem que se tenha oportunizado um melhor entendimento do caso por meio da oitiva dos envolvidos, permitindo-se também um momento de diálogo entre eles, o Juízo, o Ministério Público e demais órgãos públicos afetos às políticas de habitação (inclusive para a imprescindível organização de uma força tarefa de apoio social), e com vista à efetiva consideração, no caso concreto, do direito constitucional à moradia (valendo destacar que há uma ação de desapropriação movida pela COHAB em relação ao imóvel em questão, em curso perante a 6ª Vara da Fazenda Pública desta Comarca) e dos princípios da dignidade da pessoa humana e da função social da propriedade, tenho por bem em deferir o pleito ministerial (em parecer de fls. 140) no sentido de se designar audiência preliminar de tentativa de conciliação.
E para ilustrar a delicada situação que se pode visualizar em hipóteses como a presente, vale reproduzir a recente decisão do E. Superior Tribunal de Justiça que segue:

“DIREITO CONSTITUCIONAL. HIPÓTESE DE INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE INTERVENÇÃO FEDERAL.
Pode ser indeferido pedido de intervenção federal fundado no descumprimento de ordem judicial que tenha requisitado força policial para promover reintegração de posse em imóvel rural produtivo ocupado pelo MST caso, passados vários anos desde que prolatada a decisão transgredida, verifique-se que a remoção das diversas famílias que vivem no local irá, dada a inexistência de lugar para acomodar de imediato as pessoas de forma digna, causar estado de conflito social contrastante com a própria justificação institucional da medida de intervenção. Tecnicamente a recusa em fornecer força policial para a desocupação ordenada pelo Poder Judiciário caracteriza a situação prevista no art. 36, II, da CF, pois há desobediência à ordem “judiciária”, o que justificaria a intervenção (art. 34, VI) para “prover a execução da ordem ou decisão judicial”. Entretanto, a situação em análise – que envolve pedido de remoção, após corridos vários anos, de diversas famílias sem destino ou local de acomodação digna – revela quadro de inviável atuação judicial, assim como não recomenda a intervenção federal para compelir a autoridade administrativa a praticar ato do qual vai resultar conflito social muito maior que o suposto prejuízo do particular. Mesmo presente a finalidade de garantia da autoridade da decisão judicial, a intervenção federal postulada perde a intensidade de sua razão constitucional ao gerar ambiente de insegurança e intranquilidade em contraste com os fins da atividade jurisdicional, que se caracteriza pela formulação de juízos voltados à paz social e à proteção de direitos. Com efeito, pelo princípio da proporcionalidade, não deve o Poder Judiciário promover medidas que causem coerção ou sofrimento maior que sua justificação institucional e, assim, a recusa pelo Estado não é ilícita. Cabe registrar que se cuida de caso de afetação por interesse público que se submete ao regime próprio dessa modalidade jurisprudencial de perda e aquisição da propriedade, que se resolverá em reparação a ser buscada via ação de indenização (desapropriação indireta) promovida pelo interessado. Portanto, revela-se defensável o afastamento da necessidade de intervenção federal contra o Estado e, ao contrário, parece manifestar-se evidente a hipótese de perda da propriedade por ato lícito da administração, não remanescendo outra alternativa que respeitar a ocupação dos ora possuidores como corolário dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, de construção de sociedade livre, justa e solidária com direito à reforma agrária e acesso à terra e com erradicação da pobreza, marginalização e desigualdade social. IF 111-PR, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 1º/7/2014 (vide Informativo n. 401).”

Assim, suspendo, por ora, o despejo (requisitando-se do senhor oficial de justiça a devolução do mandado), designando-se AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO parao dia 29 de setembro de 2014, às 15hs.
Intimem-se a COHAB e as Secretarias Municipais de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) e de Habitação para que se façam representar na audiência, em colaboração ao Juízo.
Intimem-se as partes, sendo que o Movimento réu deve vir representado por até três membros (justificando-se a limitação a fim de que os trabalhos se tornem viáveis), sem prejuízo de seu(sua/s) respectivo(a/s) advogado(a/s), bem como o Ministério Público.
Por fim, diante da alegação dos autores (fls. 176 e 179/180), no sentido de que estaria ocorrendo um vazamento de água no edifício, sendo que tal vazamento, inclusive, estaria atingido o condomínio vizinho, não permitindo os ocupantes que o problema seja sanado, determino que o oficial de justiça compareça ao local (com o encanador destacado pelos autores ou mesmo pelo condomínio vizinho (fls. 184)), munido de cópia desta decisão que suspendeu a desocupação, de modo a se possibilitar oimediato conserto em questão.
Cumpra-se com URGÊNCIA.
Publique-se.

São Paulo19 de setembro de 2014.


DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006, CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA